terça-feira, 14 de setembro de 2010

Passaporte

Um "contículo" impessoal sobre questões pessoais.


Ele havia agendado sua visita a polícia federal há uma semana atrás. Após solicitar o requerimento pela internet restava levar os documentos exigidos até a sede para posterior homologação. Na sexta-feira pela tarde adentrou os corredores daquele departamento, lhe indicaram uma porta aparentemente estranha. Adentrou o interior da mesma e permaneceu em pé a espera de alguém. Imaginou que naquele lugar iriam fotografa-lo e colher suas impressões digitais. Por um instante pensou em sua família, nos amigos que deixaria de ver por um longo período de tempo. Se transformaria em mais um numero de passaporte que iria perambular em um país desconhecido... Em busca de que?...Cultura... Experiência de vida. Mas afinal de contas estava preparado para o desconhecido? Escutou passos... alguém adentrou o interior daquele local. Não era um delegado... Nem parecia um agente policial... Era um desconhecido. Apresentou-se como ninguém e começou a confabular sobre a vida na cidade pequena, sobre a certeza e segurança de uma vida ao lado da família e de amizades enraizadas. Que era perigoso deixa-las e que a solidão era o destino certo dos aventureiros. Bombardeou o coitado com milhões de argumentos desestimuladores e ao final da sessão ascendeu um cigarro ignorando as indicações de proibido fumar. Que queria aquele entrevistador sem nome? Nada, era apenas o remorso e sua imagem refletida no espelho do banheiro. Havia errado a porta... E o barulho de passos era de um transeunte qual quer... Sorte dele... Ainda poderia desistir de tudo e continuar com sua vida pacata.


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Pensamento do Autor

Sexta dia 17 estou levando os documentos necessários para homologar meu pedido de passaporte. Dentre as preocupações correntes/existenciais paira a cobrança materna de se realizar a prova da OAB, mesmo a contragosto pessoal. Afinal de contas deveria eu estar estudando para o tão aguardado exame, colocando consequentemente minha viagem como algo subsidiário, ou ao contrário, estaria eu seguindo o caminho certo já que não é objetivo ser advogado? O textículo acima aborda mais ou menos estas questões pessoais que gravitam entre outros elementos claramente destacados.

domingo, 12 de setembro de 2010

Bolinhas

Um conto babaquinha e clichê só pra você perceber que essas coisas existem fora da TV.




Enquanto o sinal estava fechado de um carro importado uma criança observava um menino de rua fazer malabares com bolas que julgava ser de borracha. Queria descer e brincar com ele, mas o tempo era corrido tinha de ir para a aula que também se estendia durante as tardes. Só haveria tempo para passar no mc donalds e comprar um sanduíche qual quer. Durante pouco mais de dez segundos olhou o tom jocoso com que aquele desconhecido lançava as bolas verdes. Cruzou seu olhar com o olhar do desconhecido, ele tinha a sua mesma idade e percebendo um apago sorriso cuidou em retribuir com um sorriso mais vivo. Após o efêmero show de malabares o desconhecido aproximou-se do carro importado. Era magrinho e amarelado faltando-lhe alguns dentes de leite. O motorista percebeu a aproximação e em um gesto de negação cuidou em afugentar aquele minúsculo ser. O objetivo da aproximação era claro e já fazia parte da rotina daquele motorista. Seu patrão já havia dito para não mais dar dinheiro para as crianças do sinal, pois o dinheiro dado servia de estimulo para continuarem a povoar os cruzamentos e esquinas da cidade. Cabisbaixo o pequeno desconhecido se afastou da viatura e sentou na esquina. A criança levada pelo motorista sentiu-se entristecida com o gesto de seu condutor, se reconhecia naquele menino de rua absorvendo-lhe a tristeza. Percebeu que o desconhecido tirava de dentro do bolso um canivete e aos poucos furava uma das bolinhas que utilizara em seu show. Estranhou aquela atitude, pois aos poucos engolia pedaços da bolinha. Sentiu-se aterrorizado, achava que ele iria se matar. Puxou o trinco do carro rapidamente, a porta estava destravada. Desceu de forma avassaladora correndo em direção ao desconhecido, escorregou tombando ao aproximar-se totalmente dele. Levantou-se lentamente percebendo que lhe ofertavam um pedacinho da bolinha. Olhou de perto e entendeu que não era bem uma bolinha, apesar do formato circular. Surpreendeu-se quando se tocou que o instrumento de trabalho daquela criança era também seu alimento. Utilizava laranjas achadas no mercado municipal. Sorriu levemente absorvendo a fome do desconhecido. O motorista saiu rapidamente do carro e após abraçar o filho de seu patrão fortemente guiou-lhe ao interior da viatura. Travou as portas e o sinal abriu verde com as laranjas. O garoto riquinho deu tchau para o menino de rua e sentindo a barriga roncar só conseguiu pensar em um delicioso BIG MAC. Queria fazer malabares igual o menino de rua, mas com sanduiches seria um pouco complicado.

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Pensamento do Autor

Em um cruzamento qual quer da zona leste eu vi um palhaço soltando fogo, autônomos vendendo DVDs e crianças fazendo malabarismo com bolas, ou seriam laranjas verdes? Aquele conglomerado me fez pensar automaticamente: Nossa a cidade está crescendo! Um segundo depois me toquei da infelicidade daquele pensamento. A cidade não está crescendo coisa nenhuma, desde quando demografia indica qualidade de vida? Enfim nós pensamos cada coisa.